Bioenergética das Corridas de Longa Distância

Como nem só de ferro vive o atleta de ginásio, começo com este post um pequeno ciclo sobre corridas de longa distância (ou seja, 3 ou mais km).

Como devem imaginar, ganha a corrida o atleta que conseguir manter maior velocidade média durante toda a prova, sendo para isso exigido que se mantenha uma elevada taxa de produção de energia . A energia para a contracção muscular provém do ATP e só pode ser mantida se a concentração de ATP nas células permanecer constante, ou seja, se a velocidade da hidrólise do ATP for igual à da sua síntese (1).


Independentemente da distância da corrida, a energia para a síntese do ATP é fornecida por uma combinação dos metabolismos aeróbio e anaeróbio. No entanto, o metabolismo oxidativo torna-se na principal via metabólica para produção de energia quando a actividade física dura mais de 1 ou 2 minutos (2-4).



Fig. 1 - Vias metabólicas em função da duração do exercício. Reproduzido de Birch et al (2005).


Em termos percentuais, numa prova de 5000 m, 95 % da energia será da via aeróbia, percentagem essa que aumenta para 97% para uma prova de 10000 m e para mais de 99% no caso de uma maratona (1).


A velocidade máxima de energia fornecida pela via aeróbia é muito menor que a das vias anaeróbias e é limitada pela velocidade máxima do metabolismo oxidativo, normalmente expresso pelo VO2max (1). O VO2max pode ser definido como a velocidade máxima à qual o organismo consegue extrair, transportar e consumir oxigénio na produção aeróbia de ATP (5) e está relacionado com a capacidade do coração em gerar um débito cardíaco elevado, com a hemoglobina total, com o fluxo sanguíneo para os músculos, com a extracção de oxigénio pelos músculos e, em alguns casos, com a capacidade dos pulmões em oxigenar o sangue (Joyner e Coyle, 2008). Atletas de elite masculinos têm valores de VO2max entre 70 e 85 ml•kg-1•min-1 e os valores para as mulheres são cerca de 10% inferiores a estes, devido a terem menores concentrações de hemoglobina e terem maior percentagem de gordura corporal (6).


O exercício prolongado envolve um dispêndio energético substancial, estimando-se que seja de 9000 a     12 000 kJ para uma maratona e que nesta prova o glicogénio se esgote perto dos 32 km (7), provocando sinais mais severos de fadiga. Durante uma actividade física de elevada intensidade, o glicogénio muscular é utilizado preferencialmente em relação à glicose sanguínea ou aos ácidos gordos, no entanto com o treino os atletas melhoram a sua capacidade de oxidar gorduras a intensidades sub-máximas desenvolvendo assim uma capacidade fisiológica para poupar o glicogénio durante o exercício prolongado (5,7). Um dos efeitos do treino ocorre ao nível da segregação das hormonas epinefrina e norepinefrina em resposta à actividade física. Estas hormonas são responsáveis pela mobilização de ácidos gordos do tecido adiposo e do glicogénio muscular e hepático e as suas quantidades no plasma, durante uma sessão de treino são menores em indivíduos treinados. Paralelamente à redução das quantidades destas catecolaminas também ocorre a diminuição da mobilização de glicose, permitindo manter os seus valores no plasma. As respostas do glucagon e insulina também são afectadas pelo treino regular, uma vez que aumenta a sensibilidade à insulina (4). O glicogénio poupado por estas adaptações pode então estar disponível para o sprint para a meta final e além disso, por não se recorrer tanto ao metabolismo anaeróbio, a acumulação de lactato é menor (8).


A fadiga no exercício prolongado está associada, tal como já foi referido, à depleção do glicogénio muscular, mas também o está à hipoglicémia e à desidratação (2), reflectindo as duas primeiras a contribuição extremamente importante dos hidratos de carbono para o exercício.

Referências:



(1) Maughan R (2000). Physiology and Biochemistry of Middle Distance and Long Distance Running em  Hawley J (Ed.).  Handbook of Sports Medicine and Science – Running. Oxford: Blackwell Science
(2) Birch K, MacLaren D, George K (2005). Instant notes in sport and exercise physiology. New York: Garland Science/BIOS Scientific Publishers
(3) Maughan R, Gleeson M (2004). Biochemical Basis of Sports Performance. Oxford: Oxford University Press
(4) Powers S, Howley E (2008). Exercise Physiology – Theory And Application to Fitness and Performance. 7ª Ed. Boston: McGraw-Hill
(5) Shave R, Franco A (2006). The physiology of endurance training em Whyte G, Spurway N, MacLaren D (Ed.). The Physiology of Training. Philadelphia: Churchill Livingstone Elsevier
(6) Joyner M, Coyle E (2008). Endurance Exercise Performance: The Physiology of Champions. J Physiol. 586(1):35-44
(7) Ames, A (1989). Chemistry of Marathon Running. J Clin Path. 42:1121-1125
(8) Williams C (1994). Assessment Of Physical Performance. BMJ. 309:180-184



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